Resíduos que seriam depositados em barragens podem ser reciclados como areia, o recurso natural mais consumido do mundo depois da água
Todos os anos, a Vale produz cerca de 70 milhões de toneladas de rejeitos sólidos, que vão para barragens como as de Mariana e Brumadinho, que romperam e causaram a morte de 289 pessoas.
Agora, parte do resíduo que causou as duas tragédias pode ter um novo fim: a construção civil.
Do montante total de resíduos, 55 milhões são sílica – ou, no popular, areia. Desde o ano passado, a mineradora vende os rejeitos de uma de suas operações em Minas Gerais para concreteiras.
Os volumes vendidos ainda são modestos: foram 250 mil toneladas no ano passado, um número que deve chegar a 1 milhão neste ano e 2 milhões em 2023.
É apenas uma fração dos 320 milhões de toneladas de areia produzidas anualmente no Brasil. Mas, apesar de ter como objetivo principal resolver a questão dos resíduos, num mercado altamente pulverizado, a Vale tem potencial para ser um player relevante.
“A maior empresa de Belo Horizonte faz 3 milhões [de toneladas anuais], e a maior de São Paulo faz 8 milhões”, diz André Vilhena, gerente de novos negócios da Vale.
O processo para produção da areia a partir dos resíduos é relativamente simples e envolve remover partículas de ferro remanescentes, que neste caso é uma impureza.
A Vale estuda a reciclagem do seu principal resíduo desde 2014, por sugestão do sul-africano Emile Scheepers, que trabalha no escritório da empresa na Suíça.
Inicialmente, a ideia era atender ao mercado que produz superfícies de quartzo, como pias e bancadas. Com o tempo, o entendimento do mercado potencial foi se ampliando – bem como o potencial de impacto positivo da areia reciclada.
A revisão profunda sobre como a companhia lida com os resíduos após os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho acelerou o processo. Nos últimos anos, a Vale destinou R$ 50 milhões a pesquisa e desenvolvimento para reciclagem dos rejeitos.
O benefício ambiental da produção de areia a partir de resíduos é duplo.
Primeiro, cada tonelada vendida para uma concreteira é uma tonelada a menos que precisa ser armazenada. (Em teoria, seria possível minerar as barragens existentes para extrair areia, mas a opção não é considerada economicamente viável.)
Mas, além disso, estima-se que até 75% de toda a areia consumida no Brasil seja extraída informal ou ilegalmente de leitos de rios, do mar e de jazidas sem autorização.
“A areia é um mineral de desenvolvimento e em várias partes do mundo estamos tirando mais do que a natureza é capaz de repor”, diz Daniel Franks, que estuda a relação entre minerais e sustentabilidade econômica na Universidade de Queensland.
Ele liderou um estudo em conjunto com pesquisadores da Universidade de Genebra que avalizou o rejeito da mineração de ferro como substituto para a areia usada tradicionalmente. (Foram analisadas amostras de rejeitos da Vale, que financiou parte do trabalho – mas Franks afirma que não houve interferência da companhia.)
Do ponto de vista técnico, os rejeitos da mineração podem ser beneficiados de acordo com várias especificações para atender desde concreteiras até indústrias que exigem matérias-primas de alto valor agregado, como fábricas de microchips.
Mas o fator decisivo é a logística.
Como se trata de enormes volumes, tipicamente os fornecedores de areia estão de 50 km a 100 km do consumo. Isso significa um mercado extremamente pulverizado.
No caso da Vale, os rejeitos recicláveis são produzidos nas minas na região Sudeste do Brasil, perto de grandes centros consumidores. A planta de Brucutu, cerca de 90 km a leste de Belo Horizonte, foi a primeira a produzir areia para comercialização.
Vilhena, da Vale, diz que a estrutura da companhia para o transporte de minério de ferro será aproveitada para levar areia a Estados como São Paulo e Rio de Janeiro, onde a empresa não tem minas. “Nossos ativos logísticos têm grande alcance.”
Mais difícil é ir ao mercado. O número de clientes é muito maior em comparação com o que a Vale está acostumada. Detalhes como a última milha da entrega também vão exigir “novas expertises”, diz Vilhena.
Em tese, somente 20% dos 70 milhões de toneladas de rejeitos produzidos pela Vale não têm valor comercial. Mas, apesar de estar em estudo há anos, o programa ainda está dando os primeiros passos.
Um dos objetivos da Vale hoje, afirma Scheepers, é mostrar para as outras grandes mineradoras do mundo que aplicar a ideia da economia circular na mineração “é mais fácil do que parece”.
Mesmo que os números, hoje, ainda sejam tímidos, qualquer avanço será bem-vindo. A mineração (de todo tipo) é de longe a maior responsável pela geração de resíduos sólidos.
“É algo como 1,7 tonelada de rejeito por habitante do planeta por ano”, afirma Daniel Franks. Com o aumento da urbanização, a demanda só vai aumentar.
Fonte: Portal Evna.
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