Uma pesquisa feita na Universidade Veiga de Almeida (UVA), campus Cabo Frio (RJ), descobriu que lodo de esgoto pode ser transformado em argamassa para a construção civil. O estudo, que está incluído no ‘Projeto Imersão’, é uma parceria entre a instituição e a Prolagos, concessionária que cuida da água e do esgoto na Região dos Lagos no Rio de Janeiro.
Conforme com João Victor Saldanha, estudante recém-formado na UVA e um dos autores do projeto de pesquisa, primeiro de tudo foi preciso estudar o lodo de esgoto da cidade para depois entender como seria o processo de transformação em si.
“Dependendo do local de onde o lodo é tirado, qual o ambiente da cidade, o lodo é diferente. Então, estudamos o nosso e vimos que ele tinha coisas que dificultam muito para o processo de engenharia civil, que é muita matéria orgânica, por ser lodo de esgoto, e muita água na composição. Precisamos deixar esse lodo secar para ficar parecido com argamassa, que utiliza basicamente cimento e areia”, explicou.
Para isso, o lodo de esgoto foi secado em uma estufa a 100ºC, temperatura suficiente para evaporar a água. Em seguida, o produto passou por uma trituração para ficar com um aspecto de pó, parecido com cimento. A partir disso, houve testes para ver se funcionaria como argamassa normalmente.
A professora Luciana Oliveira, que também integra o Projeto Imersão, revelou que esse estudo químico foi o primeiro grande desafio para a pesquisa.
“Entender essa composição para vermos como poderia agregar à construção civil, entrar no meio desse material, junto com a brita, areia, como ele faria essa composição. Tudo foi realizado nos laboratórios da universidade com uma equipe multidisciplinar, com quatro professores e quatro estagiários. Precisamos desses conhecimentos para que a gente realmente dê empregabilidade para o material”, destacou Luciana.
Além da área da Engenharia Civil, existem outros estudos para reaproveitamento do lodo no Projeto Imersão, como para adubo na área da Agronomia, por ser multidisciplinar.
De acordo com Luciana Oliveira e João Victor Saldanha, tudo começou quando a concessionária responsável pelo tratamento de água e esgoto, Prolagos, procurou a instituição para buscar soluções de sustentabilidade. “Uma delas foi dar destino a esse lodo gerado e para que começássemos a pesquisar possíveis soluções. Iniciamos a pesquisa no Projeto Imersão, que tem estudos em várias áreas”, explicou a professora.
“Fui um dos primeiros estagiários a entrar no Projeto Imersão, e começamos a conversar sobre um modo de utilizar esses materiais de maneira sustentável. Foi quando encontramos um evento de São Paulo que estudava o lodo. Lá tivemos uma amostra muito grande de pesquisas, principalmente fora do Brasil. A partir daí começamos a ver utilizações para o nosso lodo e pesquisamos por mais de um ano”, contou João Victor Saldanha.
Prática
Depois de feita a pesquisa, os testes para checar se o produto realmente poderia ser usado como argamassa e o primeiro desafio superado, o próximo passo foi fazer os testes de arrancamento, que é assentar o azulejo e ele não cair.
“Esse é o nosso grande desafio agora. Fizemos os primeiros testes e foi comprovado que atende à resistência solicitada pelas normas. Agora, estamos preparando uma quantidade de material para fazer o assentamento dos azulejos e fazer o teste. A gente vai lá com uma máquina para tentar arrancar e ver se ele uma força que precisa suportar”, destacou.
Se aprovado no teste de arrancamento, o material estará pronto para ser comercializado.
Sustentabilidade
Antes da ideia do projeto, todo o lodo de esgoto produzido na cidade era destinado ao aterro sanitário local. Apesar de seguir as normas, era um produto descartado e sem possibilidade de reutilização.
“Ocorreu uma mudança em que o aterro não aceitou mais esse resíduo, até por ocupar espaço também, então nosso objetivo, para ser mais ambientalmente amigável, é justamente tirar o material do aterro, deixando de ser resíduo para sub-produto”, ressaltou João Victor Saldanha.
Luciana Oliveira ainda lembrou que a preocupação com o meio ambiente, a sustentabilidade e o reaproveitamento de resíduos não são questões particulares da região ou da instituição, mas do mundo todo. Segundo a professora, as empresas agora têm prazo determinado para dar um novo destino ao lodo e, por isso, estão solicitando auxílio de pesquisas acadêmicas.
“São produzidas diariamente toneladas de lodo, porque conforme vai tratando o esgoto, são toneladas despejadas em aterro sanitário. A gente não pode hoje mais colocar nesses locais, você está contaminando o solo, não tem espaço. A quantidade é muito grande, temos como reaproveitar em várias frentes, e existem outros estudos, como confecção de tijolos, agregando ao cimento, para que isso seja absorvido pelo mercado”, argumentou.
Produzir algo a partir da reutilização do lodo de esgoto pode fazer também com que a argamassa convencional seja menos utilizada, abrindo espaço para um material sustentável, reduzindo a quantidade de agregados e reaproveitando um resíduo que seria descartado.
“Na pesquisa, a gente substituiu a própria areia, produto que tratamos na construção civil como nobre, porque de fato é caro, uma jazida, é finito, tem que ser transportado de um lugar para o outro e há um custo enorme sobre isso. Pegar algo que está sendo ‘jogado fora’ e utilizá-lo impede que eu tenha que comprar essa areia, que vai ser retirada e transportada em um caminhão. Então, todo esse processo já é ambientalmente amigável”, concluiu João Victor Saldanha.
Fonte: Sagres.
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